Ética
Fotos: Capa da caderneta e das páginas internas com anotações de Euclides da Cunha na cobertura da Campanha de Canudos / Biblioteca Nacional
Breve História da Imprensa Brasileira
Do período colonial à era da internet, o jornalismo tem enfrentado desafios para fiscalizar o poder e garantir o exercício da cidadania
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o jornalismo brasileiro tem seguido os cânones entronizados nos EUA para essa atividade. Diferentemente de lá, no entanto, aqui a imprensa demorou muito para se estabelecer.
Nos EUA, desde o início da colonização europeia jornais passaram a circular em pequenas comunidades. Como dizia o jornalista Alberto Dines, no século XIX, em quase todas as cidades, por menores que fossem, havia ao menos três instituições: o bar, o xerife e o jornal.
Isso fez com que o jornalismo se enraizasse no cotidiano da cidadania naquele país, o que não ocorreu entre os brasileiros. Dines também creditava a essa onipresença de jornais o bom funcionamento e a força da democracia americana.
Como se sabe, a colonização portuguesa não foi feita com a vinda de famílias que se aqui se estabeleceriam, como ocorreu nos EUA.
Para a América portuguesa vieram pessoas, quase todas homens, com o objetivo de aqui permanecer pouco tempo, o suficiente para enriquecerem, ou para o cumprimento de missões religiosas ou administrativas de governo.
José Marques de Melo, em seu importante livro Sociologia da Imprensa Brasileira, mostra que os portugueses não trouxeram impressoras para o Brasil porque elas não eram aqui necessárias para as atividades que se desenvolviam na colônia.
Os colonos também não tinham aspirações culturais que os fizessem desejar a impressão de livros. Também, certamente, Lisboa não desejava incentivar que os residentes no Brasil se animassem a produzir jornais ou panfletos que pudessem contradizer ou enfraquecer as diretrizes da Coroa.
Isso mudou em 1808, quando a família real se mudou para o Rio de Janeiro para fugir da invasão napoleônica, e com ela trouxe a imprensa e aqui fundou o primeiro jornal, publicado pelo governo, a “Gazeta do Rio de Janeiro”.
No mesmo ano, também começou a circular no Brasil o “Correio Braziliense”, impresso na Inglaterra e distribuído clandestinamente no país, em especial entre oponentes do regime, que propugnavam maior autonomia da colônia em relação à matriz e, se possível, até mesmo a independência nacional.
A independência veio em 1822, mas de forma diversa da que provavelmente teria imaginado Hypólito José da Costa, o editor do “Correio”, já que foi proclamada pelo príncipe português, que depois voltaria a Portugal e lá viria a ser rei.
De todo modo, o jornalismo acabou se disseminando no Brasil ao longo do século XIX, mas quase exclusivamente nas cidades maiores, como Rio e São Paulo, e com objetivos mais de ordem política do que de negócios.
Os editores fundavam, editavam e distribuíam jornais e revistas para defender causas, como o abolicionismo e a república, não para ganhar dinheiro e a vida com eles. Ou o faziam por mero diletantismo cultural.
Nos EUA o processo foi similar a esse ao longo do século XVIII, mas a partir da década de 1830 começou a se alterar.
Devido a mudanças estruturais da sociedade americana, com mais pessoas com melhores salários, alfabetização universal, mais tempo de folga e capacidade de comprar mais bens de consumo, a imprensa se tornou um meio para a veiculação de anúncios desses produtos e do comércio que os oferecia ao público.
Ao mesmo tempo, a tecnologia de composição e impressão avançou e permitiu a produção de número maior de cópias em tempo e com custo reduzidos. E o sistema de transportes e locomoção melhorou com estradas de ferro e caminhos com tráfego mais seguro e rápido, o que abriu a possibilidade de distribuição mais eficaz e abrangente.
O número de títulos e de cópias saltou exponencialmente ao longo do século XIX até chegar ao panorama descrito por Dines antes citado, na medida em que cada vez mais pessoas se estabeleciam no interior e no oeste do país e demandavam imprensa.
Enquanto isso, no Brasil, o desenvolvimento econômico e cultural foi muito mais lento e concentrado em alguns centros na costa leste, especialmente mais ao Sul, e suas proximidades.
Não havia demanda por jornais em outros locais, e mesmo nas cidades maiores, a atividade econômica com frequência não era suficiente para manter o negócio de um jornal lucrativo.
Os jornais brasileiros, mesmo já no século XX, eram poucos, dirigiam-se às elites alfabetizadas e cultural e/ou politicamente ativas. Eles eram ou plataformas de governantes no poder ou daqueles que almejavam substituí-los. Eram mais instrumentos de proselitismo ideológico ou político do que empresas com fins lucrativos.
Nesse contexto desfavorável, a cobertura de Euclides da Cunha da Campanha de Canudos para o jornal "O Estado de S. Paulo" tornou-se um marco para o jornalismo brasileiro ao questionar a versão oficial do governo Prudente de Moraes de que os seguidores do beato Antônio Conselheiro eram fanáticos monarquistas apoiados por nações estrangeiras. "O sertanejo defendia o lar invadido, nada mais," escreveu Cunha na reportagem que daria origem ao clássico Os Sertões.
Com a industrialização, em especial a partir de 1930, começaram a aparecer os primeiros veículos jornalísticos que se organizaram efetivamente como negócio e que tinham público mais numeroso, com poder de compra para atrair anunciantes.
Mas isso ocorria majoritariamente em poucas cidades, cuja atividade econômica justificava a presença desse tipo de jornais.
Nas outras, ou jornais nunca chegaram a se estabelecer ou com frequência eles eram dependentes de líderes políticos ou grandes empresários locais, que os mantinham mais para atingir objetivos políticos ou econômicos pessoais do que para, de fato, ganhar dinheiro com a atividade.
As oportunidades para o crescimento de jornalismo independente em cidades e regiões que até então nunca o haviam experimentado, só começou a ocorrer nas décadas 1990 e 2000, quando o país viveu período de maior prosperidade econômica, de distribuição de renda mais disseminada, ampliação do mercado consumidor e maior possibilidade de acesso à cultura.
Infelizmente, esse também foi o período em que o aparecimento e posterior espraiamento quase universal da internet colocou em xeque o modelo de negócios do jornalismo baseado no anúncio para grandes públicos leitores.
Além disso, a segunda década do século XXI foi a pior em termos econômicos da história do país, o que fez com que muitos dos veículos de municípios menores, alguns com histórias longas de vida, se vissem obrigados a encerrar atividades ou diminuí-las drasticamente.
Conforme indicia o projeto Atlas da Notícia, o “deserto de notícias”, que no Brasil sempre foi grande, tem se ampliado nos anos recentes, em detrimento da qualidade da democracia.
A internet, que tem colocado em xeque o jornalismo, no entanto, também traz em si a possibilidade de fortalecê-lo, devido ao barateamento dos custos de colocar uma publicação independente à disposição da sociedade.
Daí, a importância de iniciativas que ajudem a oferecer a jornalistas e pessoas dispostas a pôr em circulação informações com credibilidade e relevância.